Em 2018, Nuno Ramos iniciou a série de performances Aos Vivos. Através dela, articulou temas constantes em sua obra: a palavra, o tempo presente e todas as contradições envolvidas na relação entre esses dois elementos. Embora existam modificações de trabalho para trabalho, o procedimento é mais ou menos o mesmo: atrizes e atores escutam, ao vivo, com um fone de ouvido, determinada programação da televisão e, depois, repetem o que escutaram, em outra situação cênica. Embora não seja preciso arremedar todas as falas e sons, o elenco deve pronunciar apenas o que escuta. Sem adicionar nada nem comentar de maneira explícita o que escutou. A ideia é replicar as falas de um contexto em outro. Como o texto é dobrado com pouca diferença de tempo em relação ao som original, o que acontece no palco é quase simultâneo ao que é transmitido pela TV. É como um presente que se repete com poucos segundos de defasagem. Esse presente é duplicado, como uma versão transplantada da outra transmissão, como um reflexo pálido. Talvez esteja para a televisão como as serigrafias sem cor, em alto contraste, de Andy Warhol estão para as fotografias. As falas fora da televisão tornam-se despidas dos bastidores que lhe conferem inteligibilidade. A réplica mostra-se ligeiramente diferente do original, é um eco dissonante e isolado da transmissão televisiva.
A programação contínua, ou a transmissão ao vivo, como matéria de trabalho também é um marcador de tempo. Ela garante que as ações reproduzam algo que acontece em horário muito similar. É a garantia de que estamos vendo algo que acontece naquele agora.
Para esta exposição no Instituto Ling, Nuno Ramos resolveu dar mais uma volta no assunto. Elaborou a performance Dito e feito, a se realizar entre os dias 15 e 18 de junho de 2021. Aqui, as atrizes e o ator em palco reproduzirão não as falas mais protocolares e editadas da TV, mas o que for capturado por uma equipe nas ruas de Porto Alegre.
Depois de tentar fazer o eco desencontrado da voz da televisão, que chamou, em seu livro O Mau Vidraceiro (2010), de “o verdadeiro ventríloquo, cuspidor de imagens e de vozes”, o artista agora nos traz, pelo YouTube, uma repetição desencontrada dos acontecimentos que os repórteres da exposição encontram. O que é dito no palco não se acerta totalmente com o que é feito na rua. Há alguma interferência na transmissão. Vemos o que sobra dessa vida; um resíduo que não se apaga, mesmo neste período particularmente trágico.
Tiago Mesquita, Curador
Direção: Nuno Ramos
Co-direção: Tiago Mesquita
Elenco: Betinna Camara, João Gabriel OM, Lucas Sampaio, Margarida Peixoto, Nelly Coelho, Patsy Cecato
Produção Executiva: Gustavo Saul e Larissa Hoffmeister
Coordenação Geral de Produção: Laura Cogo
Som e luz: Mateus Staniscuaski
Direção de vídeo e fotografia: Edu Rabin e Rafael Trindade
Direção Geral de transmissão: Caio Amon
Operação da transmissão: Fade
Organização: Instituto Ling
Realização: Ministério do Turismo / Governo Federal
Patrocínio: Crown Embalagens e Fitesa